Uma das formas mais bacanas de empreendedorismo é aquela que consegue resolver alguma “dor” das pessoas. A dificuldade pode estar em qualquer lugar, mesmo dentro de casa. O que importa é que a solução atinja o maior número possível de pessoas.
Para uma criança autista, por exemplo, a possibilidade de poder ser entendido ao indicar algum objeto ou lugar já transforma sua vida e a convivência com a família e a sociedade. No entanto, tornar essa comunicação funcional não é tão simples. Foi a partir dessa “dor”, presente em sua vida pessoal, que Wagner Yamuto, CEO do Matraquinha, desenvolveu um aplicativo que permite a quem sofre de Transtorno do Espectro Autista (TEA) se fazer entender ao facilitar a transmissão de seus sentimentos, desejos e necessidades.
Yamuto contou como tudo começou ao podcast Inspire, da Zoho do Brasil. Segundo ele, diante da impossibilidade de gerarem filhos naturais, ele e sua esposa decidiram adotar uma criança. Gabriel “nasceu” para eles com dez meses de vida, em 2010.
Quando o menino tinha dois anos, seu desenvolvimento parecia normal para a idade. Mas Gabriel não falava. O diagnóstico foi TEA.
“Foi um luto de expectativas que a gente criou para um filho que viria”, admite Yamuto. A solução foi trabalhar com o que tinha em mãos no momento: muitas terapias e fonoaudiologia. A partir disso, ele entendeu que a comunicação vai além da verbalização das palavras.
Fichário de comunicação
O atraso na fala é um dos principais sinais de que a criança pode ser diagnosticada com TEA, mesmo que o desenvolvimento de outras habilidades – como engatinhar, bater palma e até comer sozinho – esteja preservado. Sem verbalizar suas emoções e necessidades, a criança se isola ainda mais.
Nesse caso, a comunicação oral pode ser substituída por um sistema de pranchas com imagens de objetos e atividades típicas do seu cotidiano. A criança aponta para a ficha que indica aquilo que ela desejava e assim se faz entender.
Yamuto explica que o uso de um fichário físico esbarra em várias limitações, como a dificuldade de porte e de manuseio das fichas onde a criança estiver – as figuras são pequenas, em geral de 4 cm x 4 cm.
O app Matraquinha surgiu como uma alternativa muito mais ágil e fácil de usar.
E o público potencial do aplicativo é significativo no Brasil. Estima-se que existam dois milhões de pessoas com TEA no país.
Junto com o irmão Adriano, ele começou a estudar o desenvolvimento de criação do app. Criado em 2018, o Matraquinha é gratuito (está disponível na Google Play Store e Apple Store). As imagens estão organizadas em diversas categorias, como emoções, comida, diversão, lugares, escola, entre outras.
Uma das grandes vantagens é que o usuário não precisa da internet no momento da interação. Ele pode estar offline, da mesma forma que com o antigo fichário.
Além da flexibilidade no uso em qualquer lugar, a ideia do aplicativo é se comunicar com maior assertividade e autonomia, melhorando a convivência não só com a família, mas também em ambientes sociais, reduzindo as crises de choro, gritos e desorganização sensorial.
O autista toca na tela em que a figura aparece e uma voz reproduz o que ele deseja falar. “Tem vários níveis de autismo, e isso depende da capacidade de relação que a criança faz com as imagens. Em um nível mais severo, ela pode identificar apenas aquela figura conhecida de um suco de laranja. Se se deparar, fora de casa, com outra imagem que não seja idêntica, pode ter dificuldades”, conta.
Atualmente, o app disponibiliza 200 figuras. “Estamos trabalhando em uma versão que permita personalizar as imagens incluindo fotos daquilo com o qual ele esteja familiarizado”, revela Yamuto.
Ideia que muda o mundo
A monetização do aplicativo é feito por meio de propagandas, mas o Matraquinha em breve deve passar a vender pacotes de experiências, como um dia na praia, no museu ou estádio de futebol.
“A gente tem impactado muitas famílias, tem trazido inclusão para essas pessoas. Algo que nos mostra que estamos no caminho certo é uma das mães que descobriu pela primeira vez, pelo aplicativo, que o filho de sete anos ama comer pipoca... Antes, ela não conseguia pedir e os pais não conseguiam entender”, revela.
Segundo Yamuto, o Matraquinha extrapolou o mundo dos portadores de autismo. “Hoje atinge também pessoas com paralisia cerebral. Os pais de uma criança levavam uma garotinha ao banheiro de 30 em 30 minutos, porque nunca sabiam quando ela queria fazer xixi. Imagina a criança ir de 30 em 30 minutos no banheiro sem vontade. Com o aplicativo, olha o ganho de qualidade de vida que essa família teve. A criança passou a transmitir de maneira funcional sua necessidade”, afirma.
A possibilidade de partir para a ação e assim mudar o mundo foi a lição que ficou dessa jornada. “Mesmo com poucos recursos, a gente consegue validar qualquer tipo de ideia, mesmo que seja de forma precária”, avalia. A ideia do Matraquinha está aí para inspirar as pessoas a fazerem do mundo um lugar melhor.
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